Public ESCOLA
ESTADUAL TRÊS PODERES
CADERNO
DE REPORTAGEM – ALZIRA ARAUJO
originalmente no L’Osservatore Romano.
No dia 7 de abril de 1994, começaram os 100 dias mais ferozes da
história da Ruanda, e talvez da humanidade inteira depois do fim
da Segunda Guerra Mundial. Por mais de três meses, perpetrou-se um
massacre sistemático que o mundo não soube prever nem enfrentar, muito menos
parar.
O detonador da explosão de horror que resultou em
décadas de conflito entre as etnias Hutu e Tutsi foi um atentado: no dia
anterior, haviam sido mortos o presidente ruandês, Juvénal Habyarimana, e
burundês, Cyprien Ntaryamira, quando foi derrubado o seu avião que aterrissava
no aeroporto da capital ruandesa, Kigali. Com eles morreram dois ministros
do Burundi, cinco funcionários da Ruanda e os três membros da
tripulação francesa do avião.
Os dois presidentes voltavam de um encontro de chefes de Estado
da África Central, realizada em Dar-es-Salaam, na Tanzânia. O
assunto era justamente a guerra que, há anos, via a contraposição entre os Hutu
e os Tutsi que vivem nos dois países.
Não foram
suficientes para parar o conflito.
Os acordos assinados no dia 4 de agosto do ano anterior, também
na Tanzânia, previam um governo de transição no país. Esse governo
transitório, inclusive, tinha membros da Frente Patriótica Ruandesa (FPR),
o grupo armado dos tutsi, liderado pelo atual presidente Paul Kagame.
Nenhuma investigação internacional jamais determinou quais foram os
responsáveis pelo atentado. Mas a violência transbordou imediatamente, antes na
capital Kigali e depois no resto da Ruanda, contra os Tutsi e os
Hutu moderados.
Os
soldados Hutu da guarda presidencial se lançaram contra o bairro
de Kigalionde, onde estavam alojadas as milícias da FPR. Eles eram
considerados pela guarda os autores do atentado. Entre as primeiras vítimas,
estavam dez soldados das forças de paz belgas da UNAMIR, sob missão
da ONU que havia começado em outubro do ano anterior.
Os militares belgas foram capturados quando tentavam proteger a fuga da
primeira-ministra, Agathe Uwilingiyimana, também morta posteriormente,
assim como outros membros do governo.
Por 100 dias, centenas de milhares de mulheres e de homens, de idosos e
de crianças, foram trucidados em todas as localidades, durante uma caçada
humana aterrorizante. Um ano depois, também foi atroz a vingança dos Tutsi, que
chegaram ao poder. No campo de Kibeho, milhares de Hutu foram mortos,
incluindo mulheres e crianças, enquanto, em Kigali, o novo governo
reivindicava “o direito de separar os refugiados dos autores do genocídio”.
As forças da ONU, depois de terem assistido impotentes ao primeiro
ataque, conseguiram resgatar milhares de crianças, muitas vezes encontradas ao
lado dos cadáveres das mães. Aquelas horas marcaram para sempre a memória de
quem as viveu. Aquelas crianças não falavam e não choravam, estavam em estado
de choque. Também falhou a sanidade daqueles que tentaram tornar aquele horror
menos cruel, ou mesmo daqueles que tiveram que relatá-lo posteriormente.
Um aspecto do conflito entre Hutu e Tutsi, populações de grande maioria
católica, não pode ser calado: o do envolvimento dos religiosos. Desde o
início, o sangue marcou a Igreja ruandesa, muitas vezes com a cor do martírio,
mas outras manchando mãos culpadas.
Não por acaso, recebendo os bispos ruandeses justamente nessa semana,
o Papa Francisco recordou os “tantos sofrimentos e feridas, ainda
longe de serem cicatrizadas” e os exortou a “seguir resolutamente em frente,
testemunhando incessantemente a verdade”, ressaltando que “a Igreja tem um
lugar importante na reconstrução de uma sociedade reconciliada”.
Uma impressão
amarga se difundiu nas consciências naquela primavera de 1994. Mas a comunidade
internacional não captou imediatamente o assustador porte dos acontecimentos.
O Conselho de Segurança da ONU se limitou a solicitar que o então
secretário-geral, Boutros Boutros-Ghali, tomasse “as medidas necessárias
para assegurar a segurança” dos cidadãos estrangeiros na Ruanda.
Uma década depois, Kofi Annan, o sucessor de Boutros-Ghali,
que em 1994 era responsável pelas missões militares da ONU, admitiu que ele
mesmo tinha subestimado a situação. Assim como um ano depois, em julho de 1995,
as forças de paz francesas da ONU demonstraram ser impotentes diante
de outro genocídio, o de Srebrenica, na Bósnia Herzegovina.
Nem mesmo a trágica história balcânica, que envolveu o norte rico e
poderoso do mundo, e onde se viviam os anos do fim do bipolarismo leste-oeste
com um alívio que as décadas posteriores, se encarregariam de demonstrar que
era infundado.
O que estava sendo preparado e o que depois aconteceu
nos Bálcãs e na região dos Grandes Lagos pegou despreparada a
comunidade internacional. No entanto, aquelas imagens não eram tão
inéditas a ponto de parecerem incríveis. Acontecia de novo, como acontecera 50
anos antes na Europa. A imprensa propunha evidências cruas e ressuscitava
memórias dolorosas. Mas essa insistência da memória não soube se tornar
compaixão ativa, reflexão atenta, vigilância solícita.
Declinava, entregando os seus horrores ao duro julgamento da
posteridade. Um século marcado pelas atrocidades, o século que inventara os
campos de concentração, as limpezas étnicas, os genocídios sistemáticos, que
tinha proposto a epidemia recorrente dos totalitarismos, que devastara a
fisiologia das nações com a patologia dos nacionalismos, que havia transformado
a identidade étnica na máscara zombeteira do racismo.
Vinte anos depois, nesse início do milênio, aqueles monstros ainda estão
presentes e muitas vezes são triunfantes. “Nunca esqueceremos que mais de 800
mil pessoas inocentes foram selvagemente assassinadas. Prestamos homenagem à
coragem e à capacidade de recuperação dos sobreviventes”, disse o
secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, que no dia 7 de abril estará
em Kigali para a cerimônia de comemoração.
Ban Ki-Moon elogiou “a determinação dos ruandeses para regenerar o
seu país e lançar as bases para um futuro seguro e próspero”. Porém,
acrescentou que a batalha não para por aí, porque é preciso continuar agindo
para impedir outros horrores semelhantes, particularmente na região
dos Grandes Lagos, “onde o impacto do genocídio ainda é sentido”.
O nosso passado, o nosso ontem mais recente, o nosso hoje são iguais.
Imagens idênticas, notícias idênticas servem de testemunhas de acusação para
aqueles que usam a identidade das nações como uma espada contra as minorias
étnicas, ou sociais, ou religiosas, como um pé de cabra para arrombar os cofres
da história e para lhes roubar a memória.
Ban
Ki-Moon tem razão: um aniversário é importante para fazer memória. Mas uma
memória que não ensina é apenas um formalismo inútil.
1-
Qual foi o detonador do genocídio em Ruanda?
2- Qual o
principal conflito étnico existente em Ruanda?
3- Desenhe
o mapa político de Ruanda.
4- Por que não houve uma intervenção das
potências para evitar esse genocídio?
5-
Em sua opinião, o que motiva seres humanos ao conflito de proporções trágicas dentro do seu próprio
território?
6- Por
que o autor afirma que é preciso
continuar agindo para impedir outros horrores semelhantes?
7-
Onde e em que época aconteceu o maior massacre da humanidade?
8- “No
dia 7 de abril de 1994, começaram os 100 dias mais ferozes da história da
Ruanda, e talvez da humanidade
Inteira depois
do fim da Segunda Guerra Mundial”
Leia todo o
primeiro parágrafo do texto, no qual está inserida a citação acima, e assinale
a alternativa correta:
a) A segunda Guerra Mundial terminou em 1934.
b) O massacre ocorrido em Ruanda não foi motivo para
ser comparado à Segunda Guerra Mundial.
c) O massacre sistemático que perpetrou em Ruanda
por mais de três meses ocasionou os 100 dias mais ferozes de sua história.
d) Ao contrário da Segunda Guerra Mundial, o massacre ocorrido em Ruanda foi controlado
graças à intervenção política; caso contrário o número de mortos poderia ter
sido bem maior.
9-
Marque as alternativas incorretas,
depois assinale a alternativa correspondente
à sua resposta:
a- ( ) Graças as investigações internacionais ,
os responsáveis pelo massacre foram identificados e punidos.
b- ( ) O atentado tirou a vida de personalidades
importantes da história política de Ruanda.
c- ( )
Religiosos, idosos e crianças foram poupados do atentado. Estes
perderam muitos de seus parentes.
d- ( ) No
atentado, mais de 800 mil pessoas inocentes foram selvagemente assassinadas.
Estão
corretas as seguintes alternativas:
( )
a - d / ( )
a –b– c / ( )
a – b – c – D / ( ) a– c
10- Passados vinte anos do atentado, os ruandeses
mostram sua garra e determinação na reconstrução do seu país.
Copie a
expressão do texto que justifica essa
afirmativa.
11-
Justifique a expressão retirada do texto: “ Um aniversário é importante para
fazer memória. Mas uma memória que não ensina é apenas um formalismo inútil.”
12-
Pesquise a situação atual (econômica e política) de Ruanda.
Sugestão de filme: Hotel Ruanda
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