ESCOLA ESTADUAL TRÊS PODERES
CADERNO DE REPORTAGEM – ALZIRA ARAUJO
Análise: As raízes históricas da súbita desintegração do
Iraque
Atualizado em 12 de agosto,
2014 - 05:32 (Brasília) BBC.
Curdos e militantes
islâmicos lutam no norte do Iraque
O atual avanço do Estado Islâmico - milícia sunita
anteriormente conhecida como Isis - é, essencialmente, uma tentativa de
reacomodar fronteiras regionais definidas por razões políticas.
Junto com a dificuldade
de controlar o conflito na Síria, o avanço do grupo é a tentativa mais séria
atualmente de redesenhar o mapa do Oriente Médio. Se não for barrada, a milícia
- que já declarou um califado no leste da Síria e oeste do Iraque - pode por em
risco não apenas as minorias étnicas e religiosas iraquianas, mas o próprio
Iraque como Estado soberano. O Iraque parece se desintegrar a cada crise e uma
das questões é quando tudo começou a sair errado.
Poder para poucos
As
fronteiras do Oriente Médio hoje são, em grande parte, um legado da Primeira
Guerra Mundial. Foram estabelecidas pelas potências coloniais com o fim e a
divisão do Império Otomano. A Grã-Bretanha, potência colonial, impôs no atual
Iraque o reino Hachemita, que prevaleceu sobre outras comunidades, como xiitas
e curdos - uma dinâmica recorrente na história turbulenta do país. A monarquia
foi derrubada por um golpe do partido Baas, um movimento nacionalista e de
modernização semelhante ao que levou Gamal Nasser ao poder no Egito. Com a
queda da monarquia, assume Saddam Hussein, cabeça de um regime dominado
pela facção sunita que também reprimiu reivindicações dos xiitas e curdos. O
apoio do Ocidente a Saddam durante a guerra Irã-Iraque só fortaleceu sua
liderança brutal. Mas o governo do Partido Baas foi destruído pela invasão
americana e britânica de 2003. Saddam Hussein foi deposto, julgado e executado
pelo novo governo iraquiano. O exército iraquiano foi desmontado e deu lugar a
novas forças de segurança.
A guerra
que os neoconservadores americanos tinham imaginado como meio de levar a
democracia à região, estabelecendo novos arranjos políticos e unindo todas as
comunidades, produziu um sistema dominado por um estado de maioria xiita. Foi
essa maioria que elegeu o primeiro-ministro Nouri al-Maliki, que acusou a
população sunita de governar ignorando as necessidades de outras comunidades. Muitos
haviam se perguntando, depois da guerra, se o Iraque poderia permanecer um
Estado unitário e uma das razões por trás da questão foi o nível significativo
de autonomia alcançada pelos curdos no norte do país. Atualmente, as forças
armadas da região do Curdistão, onde está uma das mais ricas reservas de
petróleo, combatem os militantes do Estado Islâmico. O Curdistão também recebeu
refugiados que fugiram da ofensiva do EI. Porém, um elemento central desta
receita deixou de existir a partir da retirada das tropas americanas do país.
Novo sectarismo
Apesar de
planos iniciais de manter um contingente militar no Iraque para assessorar o
exército iraquiano, Bagdá e Washington não chegaram a um acordo sobre esse
tema. As últimas tropas americanas se retiraram em dezembro de 2011, deixando a
segurança do país nas mãos das suas próprias forças de segurança. Os Estados
Unidos tinham feito progressos significativos na luta contra os grupos
jihadistas ligados à Al Qaeda ao se aproximar de outros grupos sunitas. Sem os
americanos, estes acordos entraram em colapso. Os sunitas ficaram cada vez mais
vulneráveis a um exército dominado pelos xiitas. Os excessos das forças de
segurança do Iraque serviram de incentivo para grupos extremistas recrutarem
militantes sunitas.
Queda de Saddam Hussein facilitou o crescimento do Irã na região
Um grande
paradoxo da derrubada de Saddam Hussein pelas tropas americanas é que a
destruição do Iraque como força regional acelerou e facilitou o crescimento do
Irã. Teerã enxergou os xiitas iraquianos como aliados em uma batalha regional
mais ampla. Talvez por causa do apoio iraniano, o triunfo do primeiro-ministro
Nouri al-Maliki provocou a rejeição de grupos sunitas, piorando a situação de
segurança na região. Recentemente, o avanço dos militantes do EI resultou em um
fato inédito: Irã e os Estados Unidos dialogaram, pela primeira vez, sobre a
situação no Iraque, não como inimigos, mas como potências regionais preocupadas
com um rival comum.
Jihad regional
O
sectarismo e a divisão entre sunitas e xiitas são vistos por muitos analistas
como o dilema do ovo e da galinha: o problema seriam as diferenças sectárias ou
as falhas do Estado iraquiano nos âmbitos social e econômico, gerando mais
divisões? Apesar da riqueza em petróleo, a maioria dos iraquianos vive em
condições de pobreza e os níveis de corrupção no país são altos. O premiê
iraquiano, acusado de favorecer seus seguidores, continua no poder apesar das
críticas da oposição e mesmo de Washington, e agora tenta um terceiro mandato. Síria, país vizinho ao
Iraque, também vive conflito intenso entre facções políticas Os iraquianos, mesmo
focados em seus próprios problemas, notaram como as correntes da Primavera
Árabe vieram e se foram: a transformação política no Egito e, claro, os
conflitos na vizinha Síria. O apoio dos países do Golfo aos militantes sunitas
extremistas facilitou o surgimento e a consolidação de grupos como o EI, com
uma agenda regional cada vez mais ambiciosa.
O
crescimento da dissidência jihadista na Síria também teve implicações para o
outro lado da fronteira. Há relatos consistentes de que o governo sírio de
Bashar al-Assad subestimou esses insurgentes e se concentrou mais na luta
contra os militantes mais moderados, apoiados pelo Ocidente. Isso deu espaço
para o EI estabelecer suas próprias estruturas em áreas de baixo controle.
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